07 agosto 2013

Argumentação: a ferramenta do filosofar (resenha)

A seguinte resenha foi publicada originalmente em:
OLIVEIRA, T.L.T. Argumentação: a ferramenta do filosofar (Resenha). Pense: revista mineira de filosofia e cultura. N. 4. Belo Horizonte,  julho 2013. Pp-27-28

RESENHA:
SAVIAN FILHO, Juvenal. Argumentação: a ferramenta do filosofar. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. 74pp. (Filosofias: o prazer de pensar)

Um dos maiores desafios para o professor de filosofia do Ensino Médio é, sem dúvida, o modo como deve apresentar sua disciplina para alunos que nunca tiveram contato com a dinâmica filosófica.   A maioria dos livros didáticos disponíveis no Brasil opta por dizer que a filosofia é disciplina crítica, transformadora e indispensável, que faz perguntas que outras áreas não fazem. No entanto, ao longo do material didático, o que o aluno (e também o professor) encontra são sucessões de teorias, geralmente colocadas por um critério cronológico. Os livros didáticos, mesmo o melhor deles, sofrem das mesmas carências do ensino de filosofia na educação superior: a falta de problematização das teorias e ausência de um método filosófico que estruture o saber produzido e reproduzido na academia. 
Sem uma boa definição de filosofia e sem uma clara metodologia filosófica, as teorias e textos de filósofos podem simplesmente tornar-se para o aluno um exercício enfadonho e sem sentido. Afinal, o aluno pode com razão se perguntar: “O que estou fazendo quando estudo esse texto?” ou ainda “O que o professor pretende apresentando tantos nomes e teorias?”.


Para preencher essa lacuna do ensino, a editora WMF Martins Fontes lançou uma coleção filosófica amigável para o leitor não especializado. Trata-se da coletânea intitulada “Filosofias: o prazer de pensar”. Não é meu objetivo tratar de toda a coleção, mas do volume 2, que trata especificamente da metodologia filosófica. O professor da UNIFESP, Juvenal Savian Filho há anos dedica-se à pesquisa e ao ensino de filosofia. No seu “Argumentação: a ferramenta do filosofar” Savian Filho procurou condensar o básico da lógica formal e informal necessária para a argumentação filosófica. O autor, no entanto, não se dedica às regras da lógica e nas condições formais de validade[1], mas a exercícios de formalização de argumentos, explicitação de premissas e explicação de textos filosóficos.
A maior virtude do livreto é seu caráter prático. O autor consegue em poucas páginas situar o leitor na importância que a argumentação tem em vários aspectos da vida, como na ciência e na filosofia. O filósofo aposta na realização de exercícios para habituar o leitor (supostamente um adolescente do ensino médio) à atividade filosófica. A filosofia oferece problemas cujas respostas constituem teses elaboradas pelos pensadores. Tais teses não são gratuitas, mas sustentadas com argumentos, a única ferramenta de que o filósofo dispõe para seu propósito. É por isso que a obra sobre a qual escrevemos tem importância fundamental e se apresenta como um apoio útil no ensino de filosofia na educação básica.
Logo no primeiro capítulo o texto conceitua “premissas” e “pressupostos” como os pontos de partida para as conclusões que defendemos. Uma vez definidos os conceitos, o autor faz análise de dois argumentos passo a passo, pela explicitação dos pressupostos e premissas e pela investigação da relação entre premissas e conclusão, dando uma noção bastante intuitiva do que seja validade de um argumento. Identificamos um pequeno problema no segundo exemplo de argumento (p.21):

Sempre que chove, os peixes não mordem a isca
Os peixes não estão mordendo a isca
Então, deve ter chovido recentemente

O exemplo é ruim porque é um argumento inválido. Trata-se de uma indução. Savian Filho procura mostrar que o raciocínio é uma formulação de uma hipótese, mas sem remeter à possibilidade de as premissas serem verdadeiras e a conclusão ser falsa (é possível os peixes não morderem a isca sem ter chovido). Usar esse exemplo pode ser problemático quando nas linhas anteriores ele mostrou que um argumento pode ser inválido e nada sobre a validade do exemplo acima foi mencionado, dando a ideia de tratar-se de outro argumento válido.

O segundo capítulo mostra que o debate importante se situa no nível das premissas que assumimos ou aceitamos ao iniciar uma discussão. O autor formaliza dois argumentos que geram conclusões contraditórias, sobre a eutanásia. Depois da formalização, Juvenal Savian Filho mostra que só aceitamos a conclusão dos argumentos válidos quando assumimos as premissas dadas. O debate, portanto estaria na aceitação ou não das premissas e pressupostos dos quais uma pessoa parte para defender seu ponto de vista.

O terceiro capítulo dedica-se a exercícios práticos de formalização e análise de quatro argumentos, com um nível crescente de dificuldade. O autor justifica esse exercício como uma introdução à metodologia filosófica:

Essas estratégias de montar e desmontar raciocínios refletem nossa maneira de pensar. Também podemos dizer que nelas resume-se a metodologia da argumentação filosófica. (...) [D]e modo geral , a atitude filosófica consiste em analisar a estrutura das afirmações e negações que fazemos em nossa leitura do mundo. (pp 29-30 grifos do autor)

                O capítulo quatro conceitua e exemplifica cinco tipos de raciocínio: Indução, Dedução, Abdução, Analogia e Argumento de autoridade. O autor propõe, mais uma vez, exercícios de identificação desses tipos de argumentação. Outro pequeno problema que percebemos é a caracterização da indução e da dedução. Trata-se de um erro recorrente em livros didáticos, feito em nome da simplificação. A indução é simplesmente definida como um procedimento que parte de experiências particulares para uma conclusão geral. Isso pode dar a impressão de que argumentos do tipo “Todos os corvos observados até hoje são pretos, logo o próximo corvo a ser observado deve ser preto” não seria uma indução porque tem uma conclusão particular. Mas é obviamente um argumento indutivo porque está baseado na experiência passada e a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão, conferindo apenas uma probabilidade. Com relação à dedução, um erro semelhante é cometido: o autor define dedução como um procedimento que parte do geral para uma conclusão particular. Seria mais correto dizer que é um raciocínio em que é impossível ocorrer premissas verdadeiras e conclusão falsa. O argumento “Todo belorizontino é mineiro. Todo mineiro é brasileiro. Logo todo belorizontino é brasileiro” é uma dedução com uma conclusão geral.
                O quinto capítulo é provavelmente o de maior interesse para uma metodologia filosófica. Ele trata da análise de textos da tradição da filosofia. O autor foi muito feliz na escolha dos textos que compuseram este capítulo. Juvenal Savian Filho explica os passos para a compreensão de excertos de Aristóteles e Descartes. O capítulo segue a mesma lógica dos anteriores: exercícios comentados e outros textos para treinar. Todo o instrumental já ofertado ao leitor nos primeiros capítulos é agora é utilizado com textos filosóficos. Os trechos são separados em momentos, os argumentos formalizados e as teses tornam-se claras.
                O autor ainda separa um breve capítulo para textos aforismáticos e outro infelizmente muito breve para a escrita de ensaios filosóficos. É, entretanto, na conclusão intitulada “Dicas de viagem” que o professor da UNIFESP oferece ótimas recomendações bibliográficas e de internet para quem quer aprofundar-se no estudo filosófico, desde obras de metodologia filosófica, passando por dicionários e textos para conhecimento de história da filosofia.
                Enfim, trata-se de uma obra muito útil para alunos e professores de filosofia do Ensino Médio. Os problemas aqui referidos podem ser facilmente contornados por um professor com boa formação. “Argumentação: a ferramenta do filosofar” é um pequeno livro que faz em suas poucas páginas o que praticamente nenhum manual escolar brasileiro dedicado à filosofia faz: ensina a pensar com rigor e a ler textos de filósofos com método.




[1] Há um volume (9) da mesma coleção dedicado especificamente à lógica e o qual também recomendamos: RODRIGUES, Abílio. Lógica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. 

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