07 outubro 2009

Objetividade das ciencias humanas

Adendo: a postagem a seguir foi uma compilação de ideias que compuseram um artigo maior, publicado na revista Investigação Filosófica (n.1, V.1). Para os interessados, o título, o resumo e o link do artigo podem ser vistos nesse endereço: http://estadonoetico.blogspot.com/2010/12/cientificidade-das-explicacoes-dos.html

O filósofo da ciência, K. Popper, num breve texto intitulado Lógica das ciências sociais (POPPER, K. Lógica das ciências sociais. Trad. Estevão de Rezende Martins. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1978.) reclama para as ciências sociais o mesmo método das ciências naturais, a saber: 1) “experimentar possíveis soluções para certos problemas; os problemas com os quais iniciam-se nossas investigações e aqueles que surgem durante a investigação” e 2) “As soluções são propostas e criticadas. Se uma solução proposta não está aberta a uma crítica pertinente, então é excluída como não científica, embora, talvez, apenas temporariamente.” (p.16) Dessa forma, para o austríaco, teremos como soluções provisórias aquelas mais resistentes à crítica.


 O caráter crítico da ciência é ressaltado pelo autor em suas diversas obras e é o que garante a demarcação clara entre conhecimento científico e não-científico: a possibilidade de refutação. Por essa razão, um dos maiores perigos para o progresso do conhecimento científico é o chamado dogmatismo, entendido aqui como apego exagerado a uma tese, protegendo-a de toda e qualquer refutação. A estratégia de Popper é mostrar que, uma vez que a ciência brota da tensão entre conhecimento e ignorância, o cientista deve ter a humildade de reconhecer que um caminho escolhido para explicação de eventos (sejam naturais ou de ordem humano-social) pode não corresponder à verdade, objetivo último da investigação. Neste caso é preciso abandonar um caminho que se mostre extremamente frágil diante das críticas, ou reformulá-lo para superar os pontos que revelaram-se fracos. Em linguagem mais coloquial, a ciência progride por tentativa e erro. “Assim, a própria idéia de conhecimento envolve, em princípio, a possibilidade de que revelar-se-á ter sido um erro e, portanto, um caso de ignorância. E a única forma de “justificar” nosso conhecimento é, ela própria, meramente provisória, porque consiste em crítica ou, mais precisamente, no apelo ao fato de que até aqui nossas soluções tentadas parecem contrariar até nossas mais severas tentativas de crítica”( pp. 16-17)

Ainda que as ciências humanas tenham surgido como tentativa de aplicar o método das ciências naturais aos fenômenos sociais, é possível pensar sobre a pertinência da discussão sobre a possibilidade de objetividade mesmo quando o sujeito é também o objeto de estudo.

Popper distancia-se claramente do método positivo: em ciência não se deve proceder indutivamente por generalizações de dados coletados (nota: Hume já no século XVIII havia demonstrado a que um procedimento indutivo carece de fundamentação racional, mas é uma crença estabelecida pela experiência, ou seja, tenta-se justificar a indução por um raciocínio indutivo) mas por conjecturas e refutações (nome de outro livro de Popper).

A exigência de objetividade equivale, para o autor, a um mito que tentou se estender das ciências naturais para as ciências sociais: “Todas essas teses [isenção de valores e objetividade] são baseadas em uma má compreensão dos métodos das ciências naturais, e, principalmente, em um mito, um mito infelizmente muito largamente aceito e muito influente. É o mito do caráter indutivo do método das ciências naturais, e o caráter da objetividade das ciências naturais” (pp. 17-18)

O erro dessa abordagem positivista criticada por Popper está em pensar que a objetividade científica dependa da objetividade do cientista, como se o cientista natural fosse um tipo especial de ser humano, isento de valores e de preferências. Seria impossível separar claramente interesses extra-científicos da pesquisa e isso vale tanto para os sociólogos como para os físicos. Como separar, por exemplo, as motivações religiosas de Kepler e Newton de sua devoção científica?

 Ora, a garantia de objetividade vem da possibilidade de surgimento de teorias concorrentes e da crítica que os cientistas fazem das teorias uns dos outros. É uma objetividade garantida socialmente: “O que pode ser descrito como objetividade científica é baseado unicamente sobre uma tradição crítica que, a despeito da resistência, freqüentemente torna possível criticar um dogma dominante. A fim de colocá-lo sob outro prisma, a objetividade da ciência não é uma matéria dos cientistas individuais, porém, mais propriamente, o resultado social de sua crítica recíproca, da divisão hostil-amistosa de trabalho entre cientistas, ou sua cooperação e também sua competição.” (p. 23)

Portanto, é o fator social da prática científica que garante objetividade, a saber, debate sobre as diversas teorias concorrentes. Isso equivale não só a desaprovar uma suposta objetividade do cientista, mas a delinear aquilo que nas palavras do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos soa mais ou menos assim: O que era tido fraqueza das ciências humanas tornou-se fundamental até mesmo para as ciências naturais. A ciência, como todo conhecimento, é construída socialmente

7 comentários:

  1. Interessante o artigo. Escrevi um breve ensaio sobre Ciência, Paradigma e Ideologia quando iniciei o meu mestrado em Psicologia Social, o qual, por razões pessoais, decidi não concluir.
    Se tiver interesse, posso enviá-lo a você. Grande abraço. Sandro

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  2. Muitíssimo interessante o artigo.
    Parabéns.
    Abraço, Lucas.

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  3. adorei mais poderia ter explicado mais sobre o método da ciencias humanas

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  4. Na verdade...isso nem é um artigo, são notas do livro de Popper. Utilizei-as para escrever um artigo de 10 páginas, intitulado A cientificiade das explicações dos fenômenos humanos. Nesse artigo, ainda não publicado,também expresso a importância de entender a ciência como uma produção social e histórica, apresento as teses de Boaventura de Sousa Santos e resumo os padrões de ciências humanas em 4: modelo causal, modelo hermenêutico, modelo dialético e modelo estrutural. Prometo deixar o link assim que o artigo for aprovado. Não deixem de me cobrar isso

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  5. Parece-me equívoco chamar "factor social" à discussão livre e crítica de ideias. Factor racional, talvez...
    As ideias de B. Sousa Santos sobre a construção social do conhecimento são incompatíveis com a sua objectividade, pois caem no relativismo.. Se ele tivesse razão a Física e a Biologia não mereceriam mais crédito que a Astrologia.

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  6. Não é a opinião de Boaventura Santos que está explicitada no texto... É Popper quem afirma a necessidade de interação crítca entre cientistas para refinar uma posição que, sem tal "fator social", seria expressão subjetiva de um pesquisador. A crítica e a competição aumentam o número de falsificadores e força uma teoria a resisti-los. Isso significa, na visão popperiana, objetividade científica.

    Santos é citado por confirmar a mudança de mentalidade (paradigma) no que diz respeito às relações entre ciências naturais e ciências humanas.

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  7. Conforme prometido, o artigo que foi publicado sobre esse tema já está disponível. O título, resumo e o link encontram-se aqui:

    http://estadonoetico.blogspot.com/2010/12/cientificidade-das-explicacoes-dos.html

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