05 fevereiro 2008

Minha Filosofia da Religião

Tendo passado alguns anos estudando o pensamento de uma série de filósofos, uns ateus, outros agnósticos e alguns teístas, penso ser capaz de elaborar sinteticamente a minha própria filosofia da religião.

Em primeiro lugar, considero que filosofamos a partir do nosso chão, ou seja, o filósofo pode pensar a partir do ateísmo, do agnosticismo ou do teísmo. E penso que não pode ser diferente. Hoje ninguém mais leva a cabo a tarefa de comprovar a existência ou inexistência de Deus.


A existência de Deus é matéria de fé, ou seja, de uma forma diversa do que de especulação metafísica, ou de um conhecimento científico. Não existe evidência que se imponha ao ser humano sobre isso. Uma certeza evidente não reclamaria a fé em Deus, pois esta não seria necessária caso se pudesse estabelecer com segurança essa existência real. A fé seria, portanto, uma aposta, para usar um termo caro a Pascal, ou um verdadeiro salto kierkegaardiano do indivíduo.


Neste sentido, o agnosticismo é tentador, mas insuficiente para dar conta da problemática do homem concreto, seja crente, ateu ou indiferente. Mas mesmo no cômodo posicionamento agnóstico, é possível abordar a problemática da religião como fenômeno humano.

E, assim como já expressei, a minha filosofia da religião parte do meu chão, da minha crença em Deus, da minha fé católica. Isso, porém, não me impede de analisar a religião do ponto de vista fenomênico.

Considero o homem como um ser religioso, sempre inquieto com as questões relativas à sua finitude, seu desejo de imortalidade, seu sentimento de pequenez diante da grandeza do cosmos. Nessa sua busca ele pode incorrer naqueles três caminhos já mencionados. Ele poderia considerar que não há resposta para as inquietações que carrega, devendo contentar-se com o imanente. Poderia ser indiferente a essa problemática. Ou buscar respostas acreditando que a grandeza do cosmos, sua ordem e sua beleza estão diretamente relacionadas a um Criador ou seres sobrenaturais. Dessa última tentativa surge a religião como desejo de re-ligação com o Divino, fonte de todas as coisas.

Assim, todas as religiões, de certa forma, pretendem (r)estabelecer esse contato, como tarefa das mais importantes, e até a mais necessária para a integridade do ser do homem, sua felicidade e salvação, seja aqui ou numa vida futura.

Desse encontro surge uma experiência humana que, traduzida em linguagem, é considerada como revelação. O problema é que a codificação dessa experiência tende a cristalizar-se em dogmas da religião e reduzir a compreensão da “verdade” unicamente a seus adeptos.

Serve, neste sentido a advertência de Martin Buber de que, quem pretende possuir a Deus é o verdadeiro homem sem Deus e não o ateu. Deus não se enquadra nem na linguagem em que O expressamos, nem nas imagens que d´Ele fazemos, nem nas formas estereotipadas dos ritos a Ele oferecidos. Toda teologia, no fundo é uma antropologia. Nesse pensamento, não chego tão longe quanto Feuerbach, em sua redução antropológica, mas reconheço que tudo que se fala de Deus é uma fala humana que revela muito de nós.

Acredito, como Buber, que não conhecemos Deus como objeto, mas podemos ter com Ele um verdadeiro encontro pessoal, do qual palavras são apenas analogia, saudade dessa presença. E O encontramos em todas as coisas criadas que, como diz o filósofo medieval S. Boaventura, são pegadas do Criador.

Portanto, rejeito qualquer dualidade que queira um Deus distante, afastado do profano, um Deus do mundo das idéias, para quem a matéria é um obstáculo. Tratando mais particularmente do cristianismo, concordo com a afirmação de Kierkegaard de que poucos são verdadeiros cristãos. Para mim, ser cristão é mais do que dirigir preces a Cristo, freqüentar os sacramentos e cumprir preceitos.

O cristianismo deveria manifestar-se como o conjunto de fiéis que têm em Cristo o modelo a seguir. Em outras palavras, a participação numa religião cristã deveria levar o indivíduo a posicionar-se no mundo como um verdadeiro discípulo de Cristo. E isso nós encontramos muito pouco, às vezes até reconhecemos mais coerência em pessoas não cristãs que vivem melhor a mensagem evangélica do que os próprios crentes.
Outro problema que levanto, em discordância com João Paulo II, é o da universalidade da doutrina cristã. Penso que, como doutrina codificada num catecismo, numa moral e num direito canônico, a religião católica não deveria pretender universalidade. Todas as culturas carregam uma certa revelação de Deus e, como já manifestei, não podemos pretender enquadrá-lo em nossas concepções.

Mas acredito que é inerente à fé cristã um elemento ético humanizador. A própria prática de Jesus foi libertadora e não de exclusão do diferente. Cristo acolheu os pecadores, os mal-falados, os doentes, os esquecidos. Essa prática de Jesus não combina com a condenação de doutrinas heterodoxas, com práticas moralistas, com a imposição de qualquer verdade que seja.

Ao contrário, parece apontar para um caminho de solidariedade, essa sim universal, pois não se dirige a um pequeno grupo de escolhidos. O amor, o acolhimento, o cuidado, o perdão até para o inimigo, a transformação das relações injustas parece ser o imperativo da mensagem evangélica. Isso não fere nenhuma cultura e deve ser mesmo universalizado. Essa prática permitiria o reconhecimento dos que são realmente cristãos, ou seja, seguidores de Cristo. Além disso é acessível aos ateus.

Aliás, penso que a Igreja Católica deveria, ao invés de condenar o pensamento filosófico que não corresponde a sua doutrina, ouvir a contribuição trazida por ele para a humanidade. Grandes pensadores ateus trouxeram novas reflexões e problemas para o pensamento humano.

Sartre, por exemplo, propõe o existencialismo ateísta como necessidade de o homem se responsabilizar por todas as suas escolhas. Ao negar qualquer desculpa transcendente para nossos atos bons ou maus, cobra uma maturidade de cada ser humano como responsável pelo seu destino.

Concordo com Sartre no que tange ao ser humano. É ele quem constrói sua existência à medida de suas escolhas e ele é totalmente responsável pelo que se torna. Mas o existencialismo não é incompatível com a existência de Deus. Não de um Deus que nos deixa livre para seguirmos nossa consciência. E se o existencialismo é um humanismo, o cristianismo também o é, pois o Deus cristão tornou-se homem, viveu e ensinou um humanismo integral.

Ao fazer filosofia a partir do ateísmo, portanto, Sartre recoloca o problema do mal e da ética, ao mesmo tempo em que denuncia a má-fé religiosa, ou seja, o engano de que não há outra escolha a ser feita do que aquela que fizemos.

Nietzsche, igualmente, problematiza a pretensa universalidade da moral cristã e sua imposição a todos. Esses e outros pensadores colocam problemas para o pensamento cristão e são, por isso mesmo, dignos de serem lidos. Muitas vezes percebemos que sua crítica é pertinente e precisamos reelaborar nossa própria concepção sobre o mundo, sobre o homem e sobre Deus. Cabe a nós, que pensamos a partir da fé, perceber a novidade de cada pensador e tentar acrescentar o elemento humanizador que estes cobram de nós.

Concluindo, digo com Buber e com Jesus Cristo, que podemos encontrar verdadeiramente Deus, dizendo um TU ao homem que coexiste conosco