04 fevereiro 2009

Economia e ética: uma reflexão para tempos em crise

A economia, como ciência da escassez, visa a regulação entre as necessidades humanas ilimitadas e os recursos físicos ou sociais, sendo estes limitados. Assim, ao contrário do que parece, a economia é também uma das ciências humanas. No entanto, a racionalização entre oferta e procura, ou seja, a lei do mercado traz desafios éticos como toda ação que tem objetivos e consequências para o próprio ser humano.

O primeiro dos desafios na economia é classificar objetivamente algo muito subjetivo nas pessoas humanas: a fronteira entre a necessidade e o desejo. O ser humano tem desejos ilimitados e recursos limitados para satisfazer-se. E a lei do mercado segue uma lógica bem determinada: o recurso que tem maior procura torna-se mais valioso porque se esgota mais facilmente.

Ao mesmo tempo, já se sabe de antemão ser impossível saciar um desejo ilimitado, sendo necessário criar prioridades e definir quais áreas podem ou não ser sacrificadas para a satisfação de um maior número de pessoas. Mais uma vez cria-se um impasse: qual o critério? Nesse ponto é importante definir quais os valores que nortearão as opções econômicas. Se o critério será ético ou se será econômico.

Em outras palavras, isso significa que se pode, por exemplo, sacrificar a eficiência e o lucro máximo em prol de um maior número de trabalhadores. Ou, numa opção utilitarista, alcançar o lucro máximo em detrimento dos trabalhadores.

A necessidade da reflexão ética na economia é justamente aliar os valores imprescindíveis, que muitas vezes são atropelados pela lógica do mercado, às necessidades da produção e do consumo, ajudando a definir o que pode ou não pode ser sacrificado nesse sistema. Valores como justiça social e direitos humanos não podem ser deixados de lado.

Ao mesmo tempo, a reflexão não pode perder-se em ideais vagos e muitas vezes impraticáveis num campo tão prático. É preciso ter critérios de justiça, mas com realismo, para não acabar levando toda uma população ao empobrecimento, surtindo efeito contrário à distribuição de renda desejável. Todo tipo de ação nesse campo pode trazer uma reação indesejável.

Cabe, no entanto, indagações a respeito dos valores que regem a economia e seus rumos. Sabe-se que vivemos em um mundo de muitas transformações, de globalização, com suas consequências de otimização do processo produtivo, com novas tecnologias que substituem o trabalho humano e com o aumento progressivo de uma massa de desempregados. As empresas grandes engolem as pequenas e, em nome da sobrevivência, a concorrência precisa diminuir os custos, cortar empregos, automatizar e colocar um produto similar no mercado.

A rapidez dessas transformações não foi acompanhada por uma reflexão ética capaz de propor um modelo econômico alternativo que não abrisse mão dos direitos trabalhistas, como vem ocorrendo. Assim, patrões não querem arcar com os custos de um trabalhador garantidos na constituição por considerarem muito onerosos. Os trabalhadores, por sua vez, para não perderem o emprego submetem-se a contratos que limitam seus direitos. Ao mesmo tempo, o processo de globalização favorece as grandes empresas, enfraquece a atuação dos sindicatos e criam concentração de renda. É isso que vemos na atual crise mundial: reportagens sobre a diminuição da produção, sobre a taxa de desemprego, enquetes sobre a possibilidade de diminuição da carga horária com consequentes reduções salariais.

Por isso a existência legítima de um Fórum Social Mundial se justifica. É um espaço de diálogo sobre alternativas ao modelo capitalista atual. Muitos líderes latino-americanos e mundiais trocaram Davos por Belém por entender que o sistema econômico atual não se sustenta sem o prejuízo de muitos seres humanos e do planeta em seu todo. Uma crise global demanda soluções também globais e é isso que o FSM almeja. Uma vez que as decisões dos governantes, dos banqueiros e dos grandes empresários transformaram o capitalismo nesse sistema que privilegia a especulação financeira e as grandes corporações, novas decisões podem mudar os rumos do mundo. Em outras palavras: esse sistema foi criado e conduzido para o estágio atual conforme a decisão de seres humanos, não estamos fadados a perecer por sua causa. Dessa forma o lema do FSM ainda é plausível: um outro mundo é possível!

Enfim, o papel da ética na economia é alertar para o sacrifício da maior parcela da população mundial nessa lógica utilitarista e propor um modelo mais ecológico, ou seja, da interdependência de todos os seres no planeta. Ética na economia exige a convocação de todos os governantes e condutores da economia a rever se os benefícios do progresso chegam à maior parcela da população e convencer que só será possível a vida para todos os seres humanos se a lógica da justiça e da vida prevalecer.