24 agosto 2011

Aristóteles e a geração "i"


No início do livro da Metafísica, de Aristóteles, encontramos a seguinte afirmação: "todos os homens desejam naturalmente conhecer". O adjunto adverbial de modo "naturalmente" significa que o desejo de conhecer está presente em todo e qualquer ser humano, independente do momento histórico, do contexto social e político. Afinal, o que é natural não se altera com o tempo.

Nossa contemporaneidade constantemente desmente o filósofo de Estagira. Em tempos de alta conectividade existe uma infinidade de informação disponível a qualquer um que saiba acessar o Google ou outro portal de busca. A facilidade de encontrar dados, aliada às novas tecnologias de busca (em sua crescente eficiência) é inversamente proporcional ao esforço realizado para compreender, refletir e julgar os mesmos textos encontrados ou ainda os problemas que motivaram tal busca.


A nova geração, para a qual sempre inventam-se novos rótulos, possui uma biblioteca maior do que a famosa cidade de Alexandria do Egito, nos tempos áureos do grande Alexandre. Batizarei essa geração de geração "I", nome que refere-se aos adolescentes que sustentam o i-pad, o i-phone, o i-pod como uma extensão do próprio corpo e os sites de busca como extensão do cérebro. Essa geração não se desliga das novas tecnologias nem dormindo.

Estou longe, no entanto, de ver esse processo de democratização da informação como um fato negativo, percebo que hoje temos ferramentas fantásticas de pesquisa e possibilidade de desenvolvimento do conhecimento praticamente em tempo real, com discussões virtuais em fóruns especializados, acesso a periódicos científicos de qualidade e consulta a obras digitalizadas que provavelmente só teríamos acesso se fôssemos sócios de várias bibliotecas das melhores universidades do mundo. 

Assim, ninguém hoje pode reclamar da falta de fontes de pesquisa. Mas os professores podem certamente atestar (e digo por experiência própria) que falta algo sem o qual nenhuma ciência pode surgir: o desejo de conhecer. A ciência, como a filosofia, surge a partir de problemas que demandam uma solução criativa, fundamentada, gestada num espírito crítico e reflexivo. 

Ao propor questões para os estudantes, um professor espera que o aluno seja capaz de compreender um texto, pensar alternativas, analisar argumentos. Mas num passe de mágica temos um Yahoo! respostas e os problemas são resolvidos. Recebeu um dever de casa que exige ler e pensar? Uma entrada nas redes sociais viabiliza repassar o questionário para respondedores voluntários. 

Há um problema ético e outro pedagógico nesse tipo de comportamento da geração "I". Eticamente é indefensável a apropriação de textos sem a devida referência ao verdadeiro autor. Pedagogicamente a questão é a falta de paciência em acompanhar um argumento, de proposição em proposição até a conclusão. Surge daí uma atitude dogmática, pois não exige justificação dos posicionamentos pesquisados. Só a resposta importa, não interessam as razões para tal resposta. 

Se houvesse desejo de aprender, as respostas do Yahoo! ou dos fóruns virtuais possibilitariam que o estudante chegasse a uma síntese pessoal, fruto de uma compreensão e de reflexão. Mas como a ordem do dia é navegar pelas respostas (qualquer uma), copiar e colar, temos uma geração "I" que cresce com preguiça de pensar sobre questões que exigem  uma argumentação coerente. 

Em suma, temos um paradoxo atual: possuímos fontes de sobra para pesquisa, o que falta por aí é o desejo de conhecer. 

3 comentários:

  1. Olá Tiago, gostei do texto!
    Alguns trechos me lembraram uma entrevista do Rubem Alves. Nas partes em que vc diz: "A ciência, como a filosofia, surge a partir de problemas que demandam uma solução criativa, fundamentada, gestada num espírito crítico e reflexivo" e "o que falta por aí é o desejo de conhecer".
    Rubem Alves fala algo sobre essa temática, "Aprender a Fazer", acho que vc vai gostar. Segue no vídeo, de 1min pra frente:
    http://www.youtube.com/watch?v=hHXky5ILlMc
    Um grande abraço, João

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