23 fevereiro 2011

Pra que serve filosofia?

Sem dúvida essa é uma pergunta que todos nós, envolvidos com o ensino e a pesquisa em filosofia precisamos responder. Todavia, para responder bem é preciso compreender corretamente a pergunta. Interrogar se a filosofia é útil ou inútil pode significar pelo menos duas coisas bastante diferentes: 

1) O interrogatório baseia-se na crença de que todas as coisas têm seu valor atrelado à sua utilidade e, portanto, caso a utilidade de um objeto não se traduza em benefícios palpáveis, então esse objeto carece de valor. A pergunta então pode ser basicamente trocada por: A filosofia tem valor? Ou ainda, a filosofia tem uma finalidade?

2) O interlocutor quer saber se a filosofia é uma atividade necessária ao ser humano, entendendo necessidade aqui como algo imprescindível. Teríamos então uma nova pergunta: A filosofia é necessária?

Quero dar uma resposta polêmica a essa pergunta: vou argumentar a favor da afirmação de que a filosofia é inútil e desnecessária.


Quanto a (1), seria preciso retomar a concepção aristotélica de finalidade. Para o filósofo estagirita, a causa final (ou finalidade) é a característica mais importante de qualquer ser. Segundo ele, no entanto, os bens que são buscados por si mesmos (os fins) são mais importantes do que os bens que são buscados para obter outra coisa (os meios). Aristóteles, portanto, recusa a afirmação de que os objetos têm o valor definido pela sua utilidade. Sem dúvida os bens intermediários são bens, mas só são bens por nos proporcionarem outras coisas. Nesse sentido o dinheiro é muito útil: ele nos proporciona conforto, lazer, alimentação, vestuário, transporte, moradia, entre outros bens. Mas seria de estranhar que alguém quisesse dinheiro somente pelo próprio dinheiro e não por aquilo que o dinheiro pode proporcionar (afinal, dinheiro é só papel, seu valor está no que pode comprar). Para o discípulo de Platão, as coisas que o dinheiro compra são mais importantes que o dinheiro mesmo. Seguindo esse raciocínio, se a Filosofia servisse para fazer amigos, então fazer amigos seria preferível a filosofar; se servisse para ganhar dinheiro, então o dinheiro seria mais importante; se fizesse com que as pessoas nos respeitassem, o respeito seria mais importante. Mas para Aristóteles, a filosofia não visa outra coisa senão a si mesma, ou seja, o conhecimento pelo conhecimento. Isso faz com que a filosofia seja inútil (respondendo à pergunta), mas justamente por isso tem muito valor. Assim como tem valor a amizade sincera (se houvesse interesses não seria sincera e deixaria de ter valor). Assim como tem valor assistir a um concerto clássico, mesmo que o ouvinte não se torne mais rico, ou mais bonito dessa forma. 

A segunda questão é mais simples: não é necessário para o ser humano o exercício da filosofia. Uma primeira razão é que a filosofia só surgiu no século VI a.C. e a humanidade vivia muito bem, obrigado, sem a mesma. Outro bom motivo é o fato de que o número de filósofos e pessoas que gostam de filosofia é bem limitado comparado, por exemplo, com o número de seres humanos que amam futebol. Se a filosofia desaparecesse do mundo, provavelmente faria menos falta do que o esporte. Obviamente, ninguém morreria por não pensar sobre questões fundamentais como a existência do livre-arbítrio, ou sobre o sentido da vida, ou ainda se o conhecimento do mundo exterior é possível. Aliás, pensar sobre essas questões leva, frequentemente, as pessoas a uma atitude de estranheza (da qual Platão já afirmava surgir a filosofia). Indubitavelmente há pessoas que prefeririam uma vida não examinada do que parar para pensar seriamente sobre as perguntas filosóficas. Apesar disso, não defendo que a filosofia deva desaparecer da face da terra. Muito ao contrário, eu desejaria que as pessoas preferissem o estranhamento e as dúvidas filosóficas do que a mera aceitação pacífica das respostas habituais e rotineiras. Mas o que está em jogo é a necessidade e temos que reconhecer que necessárias são apenas algumas poucas coisas sem as quais é impossível viver: água, comida, vestuário, saúde...O que não devemos apressadamente inferir disso é que a filosofia seja impossível ou evitável, pois argumentar contra a filosofia é já filosofar (recorre-se a argumentos racionais, ora!) e apelar para razões é sempre um recurso filosófico. 

Chegamos assim a duas conclusões: 1)A filosofia é inútil e 2) A filosofia é desnecessária. Isso encerra a questão? Claro que não, pois refletindo sobre o problema levantado, também chegamos a outras duas conclusões que se somam a (1) e (2). Para sermos justos com todos os pontos abordados nesse texto, deveríamos afirmar que (3) a filosofia, embora inútil, não é destituída de valor (seu valor está na própria atividade filosófica) e (4) embora desnecessária num mundo que não deseja pensar, a filosofia é inevitável quando exigimos argumentos racionais. 

O que pensa o leitor sobre isso? 

4 comentários:

  1. Quanto à segunda questão, pouco tenho a comentar.

    Quanto à primeira, há que se discutir sobre a utilidade da Filosofia.

    "Sem dúvida os bens intermediários são bens, mas só são bens por nos proporcionarem outras coisas.". Aqui, se está falando do [i]bem útil[/i], que é aquele que serve de meio tendo em vista outro bem. Assim, o dinheiro é um bem útil, uma vez que com ele podemos obter outros bens.

    "Aristóteles, portanto, recusa a afirmação de que os objetos têm o valor definido pela sua utilidade.". Um ser tem valor na medida em que é bom. Um relógio funcionando é mais valioso do que um quebrado. Útil (para ver as horas) é o primeiro relógio, não o segundo.

    Não se pode dizer que a Filosofia é inútil. É uma ciência, que é um bem, e tem seu valor, bem como sua utilidade: por meio da razão, (nós, homens) ganhamos conhecimento, sabedoria, que quanto maior sejam mais nos fazem cumprir melhor a nossa finalidade. Assim, a Filosofia não é inútil. Já o nosso fim último é tema para outro post.

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  2. obrigado pelo comentário, Marcos!

    No sentido por vc indicado, é claro que a filosofia é útil. Eu reconheço que a filosofia é útil e serve para diversas coisas: tornar-nos mais eruditos, mais perspicazes, argumentadores mais eficientes, etc. Mas penso que o valor da filosofia não esteja atrelado à sua utilidade. Seu valor está na própria atividade que a filosofia é: amar o saber (sem interesses), mas porque saber é melhor que não saber, porque pensar é melhor que não pensar e não porque isso pode me fazer mais rico ou interessante.

    Minha réplica a sua argumentação então seria a seguinte:
    A filosofia é inútil só se entendermos que que atividades inúteis podem ser plenas de valor e que ela vale não pela utilidade, mas pelo que é.

    A filosofia é útil na mendida em que reconhecemos diversos bens proporcionados por essa atividade, mas esses bens não devem ser a finalidade da filosofia.

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  3. Voltando...

    "A filosofia é inútil só se entendermos que que atividades inúteis podem ser plenas de valor e que ela vale não pela utilidade, mas pelo que é."

    Todo ser tem valor, pois que todo ser - qualquer que seja - tem existência, a qual é um bem, e o que é bom tem valor ou é valioso (o dinheiro é bom, tem valor, tanto que se trabalha para tê-lo). Enfim, tudo o que existe é bom (o mal é privação de bem) e tem algum valor.

    A Filosofia, enquanto ciência que busca as causas e princípios primeiros (diferente das outras ciências que buscam as causas próximas), tem valor na medida em que existe.

    O homem, dotado de razão, é capaz de filosofar, e assim vir a conhecer as causas e princípios primeiros (escopo da Filosofia), por fim adquirindo sabedoria.

    O objeto do intelecto, ou razão, é a verdade. Assim, a inteligência no homem é feita para conhecer a verdade - que pela Filosofia ganhamos sabedoria -, ao passo que a vontade no homem é feita para querer o bem.

    Enfim, a Filosofia em si não é o nosso fim último, mas filosofar nos leva a conhecer mais e melhor a verdade, objeto do intelecto. Então a Filosofia é útil (abomine-se o utilitarismo egoístico) na medida em que é um bem (o qual classificamos em útil, deleitável e honesto), um bem útil que nos serve para chegar ao conhecimento da verdade.

    Aqueles que relutam em filosofar ou não veem valor/utilidade/bem na Filosofia, deixam de exercitar a capacidade mais nobre do homem: a razão. E, desta forma, tendem a se comportar como os seres do reino animal.

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  4. Oi! Encontrei seu blog enquanto procurava umas imagens pra ilustrar meu último post... coloquei link na imagem, pó'deixá :)

    Gostei daqui! Então, sobre a filosofia, eu acho isso: http://tabuleirodebolo.blogspot.com/2011/03/cucolandia-das-nuvens.html

    Beijos

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