17 outubro 2010

O uso político da religião nas eleições 2010

É lamentável que o futuro político do Brasil seja discutido nas bases de questões do foro íntimo cuja discussão, embora necessária, não parece relevante para definir o melhor projeto governamental em disputa. Religião é assunto sério, diz respeito a crenças fundamentais e que dão sentido à vida de muitas pessoas. Por essa mesma razão considero desrespeito aos brasileiros panfletar assuntos religiosos para adquirir vantagens eleitorais. Qualquer candidato que faça isso age maquiavelicamente sob o lema de que os fins justificam os meios. 

O meio, no caso é a religião, utilizada como arsenal contra uns, como trampolim para outros. Meu temor é que as pessoas religiosas não percebam que estão sendo instrumentalizadas e tratadas como incapazes de pensar por si mesmas no que tange às decisões políticas. 



Se o aborto deve ou não ser descriminalizado, se o estado deve reconhecer uniões homossexuais são questões políticas e devem ser discutidas na sociedade. A posição pessoal dos candidatos, entretanto, não deveria ser assunto eleitoral, porque um ocupante de cargo executivo não está no comando para impor suas crenças, mas para fazer cumprir os direitos e aspirações de todos.

É completamente possível que uma pessoa seja heterossexual, mas ainda assim, reconheça o direito de muitos homossexuais legalizarem sua união. Não importa aqui se a Bíblia diz que é uma abominação, importa que grande parte dos brasileiros não têm reconhecimento de seus direitos por que o assunto não é tratado como questão política de representatividade.

Também é possível que um candidato seja pessoalmente contra a prática do aborto, mas entenda que a descriminalização é pensar na saúde das mães que, por diversos motivos, não pretendem levar adiante a gravidez e vão procurar profissionais clandestinos. Ninguém vai alterar por decreto o posicionamento das igrejas cristãs sobre o assunto.

Vivemos numa democracia representativa, num estado laico. Isso significa que não há uma religião oficial e o governo deve pensar em representar de fato os brasileiros e não somente um grupo, mesmo que majoritário. O uso da religião pelos candidatos deveria ser muito bem pensado pelos eleitores. Não podemos confundir a esfera do público e do privado. No âmbito público o que deve ser pesado é o Brasil, sua população, a melhor política econômica e os maiores benefícios sociais. No âmbito privado estão as crenças religiosas, os preconceitos pessoais.

O pior que pode acontecer nesse momento de eleições é que os votos sejam dados somente com base nas questões privadas da religião. Essa instrumentalização da religião, além de fazer os eleitores religiosos de incapazes, serve para esconder a falta de projetos e uma política que pode ser (religiosamente falando) tão pecaminosa quanto qualquer aborto.

Tomemos cuidado com quem usa a religião para chegar ao poder! Muita gente diz defender a vida (por ser contra o aborto) quando assume políticas de exclusão social, de massacre dos despossuídos, de taxas excessivas contra os menos favorecidos. Se isso é ser a favor da vida, o que seria ser contra?


2 comentários:

  1. Volto a detectar uma mistura indevida entre religião e moral. É possível alguém ser contra o aborto ou ao reconhecimento da união civil entre homossexuais e ao mesmo tempo ser ateu. O fato de o Cristianismo coincidir nesses pontos é só uma "feliz coincidência".

    É preciso ser cego para não perceber que há movimentos políticos no Brasil empenhados em impingir sua ideologia de gênero e sua cultura abortista.

    Tiago, um Estado laico não é um Estado laicista. Quando você equipara religião a preconceito e a coloca no âmbito privado está sendo laicista. Estado laico é o que respeita a influência da religião na vida pública, embora a religião não tenha as rédeas da vida pública.

    Quando o Brasil era oficialmente católico, quem mais sofreu foi a Igreja, cerceada em sua liberdade por um Estado ingerente (vide as questões da escravatura e da maçonaria, entre outras).

    Agora que há liberdade política, tenta-se relativizar o valor dos ensinamentos religiosos, a fim de ditar a moralidade mediante sufrágio.

    Novas escravidões, velhas dominações.

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  2. Concordo com vc quando fala a respeito da "feliz coincidência" de assuntos. A questão que levantei foi o uso instrumentalista da religião para fins eleitorais.

    Concordo que ser religião oficial foi o pior peso que o catolicismo carregou, pois isso tirava a capacidade profética da Igreja.

    Não concordo que a liberdade política relativize os valores religiosos. Pelo contrário, é por gozarmos de liberdade política que podemos assumir um credo religioso sem correr o risco de sermos perseguidos, ridicularizados, presos etc. Uma pessoa não precisa abrir mão de seus valores religiosos para fazer política, mas certamente tem o direito de ver a religião que ama e segue fora da manipulação da propaganda política (justamente por amar sua tradição religiosa).

    Dicordo da diferença entre laicismo e Estado Laico. O Estado Laico deve garantir a liberdade religiosa (inclusive a de ser ateu - muito esquecida em épocas eleitorais) e para isso garantir tb que nenhuma posição religiosa seja privilegiada: é preciso pensar nas minorias e na totalidade dos brasileiros. Nada de impedir manifestações religiosas, mas nada de constrangir um grupo por não ser maioria. Simples assim.

    Eu sou católico e fico extremamente triste de ver que a disputa está ocorrendo na base do "quem é mais católico". Aí vale acusar o outro de abortista, ou de ateu, ou de terrorista, ou de ser a favor do casamento gay.

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