15 setembro 2010

Sobre a liberdade e o relativismo

John Stuart Mill Sobre a liberdade, 1859 Tradução de Pedro Madeira
"Se todos os seres humanos, menos um, tivessem uma opinião, e apenas uma pessoa tivesse a opinião contrária, os restantes seres humanos teriam tanta justificação para silenciar essa pessoa, como essa pessoa teria justificação para silenciar os restantes seres humanos, se tivesse poder para tal. Caso uma opinião constituísse um bem pessoal sem qualquer valor exceto para quem a tem, e se ser impedido de usufruir desse bem constituísse apenas um dano privado, faria alguma diferença se o dano estava a ser infligido apenas sobre algumas pessoas, ou sobre muitas. Mas o mal particular em silenciar a expressão de uma opinião é o de que constitui um roubo à humanidade; à posteridade, bem como à geração atual; àqueles que discordam da opinião, mais ainda do que àqueles que a sustentam. Se a opinião estiver certa, ficarão privados da oportunidade de trocar erro por verdade; se estiver errada, perdem uma impressão mais clara e viva da verdade, produzida pela sua confrontação com o erro — o que constitui um benefício quase igualmente grande."

Ainda não encontrei nenhum argumento que fosse mais bem articulado sobre a liberdade de expressão do que os escritos de Mill em seu On liberty. Em sua maioria, argumentos que defendem a pluralidade de ideias apelam para o relativismo cultural (incluído o religioso), e o relativismo epistêmico (afirmações de que não existe Verdade, ou que ela é relativa. Ver o caso de Feyerabend). 

Pessoas muito bem informadas e, até bem intencionadas, em nome da tolerância e da boa convivência social, acabam confundindo liberdade de expressão (ou de formas de vida) com afirmações descabidas do tipo: toda opinião é verdadeira. Essas pessoas não percebem que relativismo e liberdade são coisas distintas. 


Analisando a simples proposição Toda opinião é verdadeira podemos de partida identificar alguns problemas: 1) ela pressupõe que as pessoas nunca se enganam quando emitem uma opinião; 2) em consequência, se uma pessoa mudar de opinião, então a opinião que ela abandonou seria tão verdadeira quanto a que ele assumiu - uma contradição; 3) não haveria nenhuma necessidade de discutir ideias, planos de governo, situações do dia a dia, metas de eficiência ou o quer que seja, pois toda opinião subjetiva seria correta; 4) a própria democracia perderia com isso, pois é a discussão e o confronto que tornam sólida uma democracia.

Mill é um pouco mais feliz na defesa do pluralismo de ideias: não é por ser verdadeira que uma opinião deve existir, mas para oferecer oportunidade de confrontar os discursos, para aumentar nossa convicção ou nossas dúvidas quanto à pertinência de nossas crenças (políticas, religiosas, estéticas etc.). O pluralismo e a tolerância seriam, portanto, valores inalienáveis da boa democracia. 

Pelo mesmo motivo, pluralismo e tolerância não poderiam ser "verdades relativas". O relativismo se auto-refuta: se tudo é relativo, também o relativismo é... Mas se assumimos o valor da liberdade de expressão, não admitimos perdê-la em nome do subjetivismo, do relativismo. Ou deveríamos aceitar que grupos neo-nazistas  maltratem negros, judeus, travestis e quem mais eles desejarem? Ou deveríamos nos calar diante da violência cometida contra a mulher em países cuja cultura, extremamente machista, nega qualquer dos direitos humanos para a população do sexo feminino? Qualquer leitor desse blog que tenha respondido "não" às perguntas acima, deve saber que não é relativista. 





4 comentários:

  1. Benza a Deus, alguém que entende que a verdade não é relativa e que o Relativismo é um absurdo!!

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  2. Bom...estou esperando sua defesa do relativismo.

    Eu procurei demonstrar que podemos defender a tolerância e a pluralidade de ideias sem cair no relativismo. Se a defesa do relativismo recorrer a esses valores, então não precisamos do relativismo.

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  3. Olá Tiago.

    Eu não defendo o Relativismo... imagine... Ele por si só é contraditório.

    Para o Relativismo, "tudo é relativo". Ora, para esta sentença fazer sentido é preciso que o Relativismo seja absoluto, o que contradiz a tese de que tudo seja relativo, pois aí entraria que o próprio relativismo seria relativo e por conseguinte para uns tudo seria relativo (que é absurdo), para outros nem tudo seria relativo, havendo coisas absolutas.

    Enfim, é uma falta de sentido tremenda...

    Onde há espaço aqui para fazer sugestão de temas?

    Até mais ver.

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  4. Oi Marcos. Obrigado por clarear seu comentário.
    Você pode sugerir temas nos comentários ou no meu e-mail. Estou aguardando sua resposta.
    Abraços.

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