08 abril 2010

Por que os alunos nao entendem um texto?

Eu estava hoje coletando dados sobre umas provas de filosofia que apliquei para meus alunos. Era uma prova relativamente simples, baseada apenas em um texto e cujas questões, em sua maioria, demandavam unicamente a habilidade de ter compreendido o texto dado. Nada de saber decorado quem foi Sócrates, ou quais as 4 causas aristotélicas. Somente entender o que o autor dizia, seus conceitos e suas razões para fazer as afirmações que fez. A parcela da turma que errou ou não soube dar uma resposta satisfatória a essas questões simples foi de quase 30%.

A conclusão mais superficial que eu poderia tirar desses números remeteria ao velho problema da dificuldade dos alunos brasileiros em manejar textos. Alguns pedagogos chamam essa deficiência de analfabetismo funcional: a pessoa lê, pronuncia as palavras, mas o texto não forma um todo coerente e signicativo. O leitor não consegue saber afinal o que disse o autor, ou melhor,  não compreende o texto, sua intenção, sua contribuição, suas discussões e, muito menos, suas conclusões.
Apelar para o analfabetismo funcional é recorrer mais uma vez aos lugares comuns dos especialisas em Educação. Para contentar tais especialistas, ainda poderíamos argumentar que os textos trabalhados não são significativos para os alunos, não tocam suas vidas, não são agradáveis. Tais pareceres fazem todo sentido e explicam a falta de habilidade de leitura dos nossos alunos. Explicam, mas não justificam. Aceitar isso parece querer afirmar que o professor de literatura, português, filosofia, história ou geografia agora precisa trabalhar apenas com textos retirados de sites de relacionamentos, revistas com conteúdo teen, diálogos de bate papo online. Acredito que ainda falta um questionamento a essa forma de entender o fracasso da leitura no âmbito da educação nacional: será que os adolescentes também compreendem totalmente o conteúdo da internet que acessam ou os textos das revistas voltadas para eles? Tenho minhas dúvidas.

Acredito que o problema da leitura seja devido a um paradoxo contemporâneo: estamos cada vez mais conectados, a um clique de qualquer pessoa ou lugar, mas desconhecemos o que é um diálogo verdadeiro. Não quero teorizar demais sobre o diálogo. Toda minha monografia foi sobre esse tema. Mas pensemos no significado grego do termo: dia - através logos - palavra. O diálogo seria atividade que coloca duas pessoas em igualdade de posição através da palavra. As pessoas são capazes de se entender porque dialogam.

O contrário do diálogo não seria então o silêncio (muitas vezes compreendedor), mas a dificuldade de ouvir, de escutar, de entender, de reconhecer a singularidade do outro. A falta do diálogo se expressa também na necessidade de falar o tempo todo, de impor uma opinião, de criar ruídos, de evitar o silêncio. Um narcisista não consegue dialogar, pois só quer falar e ser ouvido, ele é o portador da verdade.

A dificuldade de nossos alunos em ler pode também ser devida a esse narcisismo barulhento. Um texto é também uma forma de diálogo. É o encontro entre um autor e um leitor, ambos compondo uma conversa que só encontra sentido se houver as duas partes. Não há texto sem autor e não há sentido sem leitor. Leitura está longe de ser atividade passiva, mas representa um encontro ativo.

Os professores então sugerem um diálogo, um texto. Nossos alunos, apredizes de narcisos, não sabem ouvir, não precisam daquele texto, têm tanto pra falar. O resultado é tão trágico na escola quanto na vida: alunos não entendem o texto, pessoas não escutam mais as outras. Estudantes incapazes de manejar bem a língua pátria, gente esgotada de não ser compreendida, valorizada. No sistema educacional levam bomba. 
Mas o que implode é a humanidade esfacelada por nao saber mais dialogar. 

10 comentários:

  1. Belo texto Tiago!

    Na atualidade as pessoas estão com dificuldade em entender 140 caracteres, o que dirá um texto....

    O medo é passarem a não entenderem a ligação de vogais com consoantes....

    Abração meu amigo!

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  2. Infelizmente o que diz neste texto é realidade. E mesmo não trabalhando com educação percebo isto. Porém é um tema que dá muito o que falar!

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  3. olá Tiago

    você observou corretamente, as pessoas não querem mais dialogar, nem entre elas nem com os livros, mas junta-se a isso também o bloqueio que criamos com certos conhecimentos que nos apresentam.

    convencer os jovens a ler coisas antigas enquanto tem harry potter, crepusculo e ladrão de raios pra ler, parece um sacrificio muito grande e até injusto competir.

    quando era criança e adolescente adorava ler os classicos de literatura, tinha habito de sempre pegar livros nas bibliotecas, isso me deu uma boa base, mas acredito que o que facilitou foi que na minha época as crianças ainda brincavam na rua, não existia tanta gente com acesso a internet, celular? raro, no máximo um video game com os amigos. mas hoje, vemos as crianças envolvidas nessas tecnologias todas, que são boas sim, melhoram o aprendizado, mas ao mesmo tempo envolvem tanto, tem tanto apelo visual que estimula a não leitura.

    o que sei é que ter lido muito no passado me ajudou a interpretar melhor os textos, a escrever boas redações e até hoje colho os frutos disso no trabalho. não vejo outra maneira de aprender, sem ler a vida se complica muito e pouca coisa se consegue na vida, a menos que se escolha caminhos que não precisem de estudo ou que valorize uma boa lábia.

    enquanto isso, vamos disseminando estas ideias pra ver se a coisa melhora...

    Ps: a verificação de palavras é mesmo necessária? é possivel tirá-la?

    um abraço.

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  4. Oi Ana!

    Na verdade, seria muita ingenuidade supor haver apenas uma causa para a dificuldades da nova geração com o entendimento de textos.

    Eu somente foquei uma causa esquecida quando o assunto é educação. Muitas vezes o peso todo da deficiência escolar de alunos é jogada nos ombros dos professores. Sem desmerecer a parcela de culpa dos mestres, eu me perguntei: como ensinar quem não quer aprender? Quem já sabe tudo? Quem não sabe dialogar?

    Por incrível que pareça, eu penso que esses meninos que leem Harry Potter, Crepúsculo, etc. ainda têm grande chance de entender um texto não ficcional, filosófico ou científico. Há leituras que são feitas por prazer e outras que são feitas por necessidade. As leituras escolares são do segundo tipo: os conhecimentos discutidos são para entender o funcionamento da natureza, para aprofundar na cultura, para interpretar o mundo. Mas se eles exercitam as do primeiro tipo, terão habilidade para entender as do segundo. Mesmo que o motivo para ler textos científicos seja unicamente sair bem numa prova, ou num concurso.


    Sobre a verificação de palavras: é uma maneira de controle de spam. Pode ser chato escrever 4 letrinhas antes de postar um comentário, mas é pior ter que moderar propagandas, links externos, e todo tipo de spam que poderiam ser evitados com esse procedimento simples.

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  5. Olá Thiago
    Gostei muito de seu texto. Trabalho com crianças no Ensino fundamental e filosofia no ensino Médio. É incrível como eles se transformam ao ingressarem no segundo segmento! Talvez seja a fase biológica, mas acredito mais que seja a ruptura com uma forma de estudar completamente diferente a partir do 6º ano ( vários professores e muita imaturidade). Encontro alunos no EM que são incapazes de redigir um bom texto.Parece que ler uma página é uma tortura! O que será que acontece nessa etapa intermediária que provoca tanto desencanto? Aquela curiosidade infantil tão gostosa e estimulante para o professor parece que fica perdida em algum lugar. Tenho alunos com hábito de ler e até me pedem sugestões,mas é uma minoria.

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  6. Oi Elisabet!

    Acredito que os adolescentes sabem que todos os olhares estão voltados para eles. A grande maioria das propagandas, dos produtos de marca, visam essa etapa da vida. Todo o cuidado que recebem dos adultos (pais e professores), toda condolência, toda paciência com seus atos de libertinagem... Definitivamente nós não os educamos para enfrentar uma vida que diz "não", ou que cobre deles responsabilidade por seus atos. Essa onipotência ressoa nas atitudes cotidianas e na escola: Não é o adolescente que não estudou, que não se dedicou, que não se comportou com respeito...Foi o professor que fez uma prova difícil, foi rigoroso na correção, ou permitiu que o aluno desrespeitasse alguém. A culpa nunca é deles. Isso me incomoda muito, pois trabalho com adolescentes e sinto que eles saem da escola cada vez menos preparados para tomar as vidas nas mãos e assumir sua responsabilidade.

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  7. Olá,

    É extremamente difícil achar pessoas que queiram dialogar, até mesmo com o texto, o egoísmo reina, só sei que a interação autor-texto-leitor ainda existe pois eu ainda tenho isso!rs

    Mas não creio que seja somente esse o problema da interpretação de texto, o ensino como todos estão cansados de saber anda mal das pernas, a situação é crítica, eu já peguei turmas da 3º série do fundamental que não sabe ler, a maioria dos jovens da minha idade aprenderam a ler com 6, 7 anos de idade alguns foram mais precoces ainda e olha que desde da minha ápoca o ensino está em crise (eu não sei quando a educação não esteve em crise).

    Tem também a questão cultural, tem pessoas que não tem o hábito de ler e não passam isso para os seus filhos pois não sabe o quão importante é isso, eu sempre ganhei livros do meu pai, eu achava isso bem ruim, porque eu era criança e queria brinquedos, hoje eu vejo o quanto isso foi importante pra minha educação.

    Ah, eu fico extremamente triste quando vejo as dificuldades de interpretação da galera da faculdade, fico triste porque poxa, eu tô na faculdade o nível intelectual tem que ser outro, mas creio que isso acontece em todas as faculdades e cursos de graduação, o que é ruim, porque olha o nível de profissionais que as instituições anda formando...

    Todo tipo de leitura é válida e contribui para o aprimoramento da mesma, por isso leiam!

    Agora que já fiz uma breve dissecação da minha opinião sobre o texto,fica os meus elogios ao autor, excelente texto.

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  8. Muito bom o texto!

    Nada como as pessoas serem dominadas pelo sensacionalismo: emoções fortes sobrepondos-se à razão...

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  9. Olá Tiago,

    Sou aluna da católica de brasilía e gostei muito do seu texto. Pretendo visar essa falta de interpretação dos alunos no meu trabalho de monografia. Gostaria de saber se você tem algum texto que aborde esse tema. Fico muito grata.
    Meu email é c.biobitencourt@gmail.com.

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  10. Oi Carol,

    Sou pesquisador de filosofia da ciência. A educação é um tema que me interpela pela prática de sala de aula, mas não é um campo no qual sou especialista teórico. Tenho uma publicação (já referida no corpo do texto) sobre a Intersubjetividade em Martin Buber, que trata da relação dialógica e tem um tópico diferenciando a educação da propaganda, mas nada em relação direta com o problema da leitura.

    A questão da dificuldade de leitura me atinge por causa da exigência formal de uso de textos filosóficos com alunos do Ensino Médio. Os filósofos não escreveram apostilas ou material didático, eles procuraram responder a um problema com teorias e argumentos. Mas muitos desses autores possuem um estilo obscuro e é difícil separar o conteúdo da forma nesses textos. Ao filósofo interessa o conteúdo (premissas e conclusões propostas) ao professor de literatura interessa também a forma. A abstração que o aluno precisa ter é separar o que é relevante para a teoria do que é apenas estilo literário. Tarefa difícil para alunos que, como sabemos, não entendem o que um texto diz.

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